Bruxaria Básica:
A Poção da Autodescoberta
Publicado em abril de 2008. Criado em 1997.
Houve um tempo em que eu me sentia invisível.
Eu tinha 17 anos, trabalhava como secretária numa agência de modelos e me via como um ser deslocado num mundo de brilho e aparências. Usava óculos grandes, roupas desleixadas e não me arrumava. Ninguém esperava que eu brilhasse. Eu era só “a menina do telefone”. Um fantasma atrás da recepção. Igualzinho aquelas histórias de "Bete a Feia" ou a Aninha de "Chocolate com Pimenta".
Num dia qualquer, que parecia mais como os fatídicos que me rondavam, fui chamada para ficar até mais tarde. Haveria um evento, e o dono da agência ia receber algumas modelos vindas de outro lugar. Fiquei sozinha na recepção, à meia-luz. O mundo desacelerou. E então, ela chegou.
Daniela.
Alta, bonita, segura. Tinha 23 anos e o olhar de quem enxerga fundo. Sentou-se comigo. Começamos a conversar. Ela percebeu minha timidez, meu silêncio, minha tentativa de me encolher numa feiura imposta por mim mesma por proteção à olhares de homens maldosos e que eu me encolhia também pra caber num mundo que não era feito pra mim.
E então, como quem sabe lançar feitiço com a palavra certa, ela me disse:
“Tenho um presente pra você.”
Ela tirou uma pedrinha pequena da bolsa.
Uma turmalina negra.
“Essa pedra chegou até mim com uma mensagem, e agora é a sua vez. Você é uma bruxa. Uma bruxa perfeita. Só não sabe disso ainda. Se olha no espelho. Se ama. Faz feitiço pra tua autoestima. Usa essa pedra. Ela vai te lembrar quem você é.”
Minha garganta travou. Fiquei olhando pra ela e pra mão dela, tentando traduzir. Dentro de mim, alguma coisa despertou. Um poder antigo, adormecido. Uma vontade que eu queria e negava. Uma energia, talvez de outra vida, talvez ancestral.
Aceitei as dicas dela e comecei a me olhar com outros olhos. Foi uma iniciação. Ela me iniciara na bruxaria e eu nem percebi.
Eu guardei aquela turmalina por anos. E um dia, quando outra amiga minha estava perdida, eu a presenteei com ela, repetindo as mesmas palavras, despertando a bruxa interior dela. Assim a corrente se fez.
Na mesma época, inspirada por esse despertar, fiz um desenho.
Chamei de “Bruxaria Básica”.
Duas mulheres diante de um grande caldeirão.
Uma amiga lança os temperos, talvez autoestima, coragem, amor-próprio.
A outra dá o toque final: três batidas na lateral do caldeirão.
Tac, tac, tac.
O feitiço está pronto.
A arte nasceu do ventre dessa vivência.
Aquela noite, aquele presente, aquele olhar que me viu quando eu não conseguia me enxergar, foi a minha iniciação. Hoje, vejo claramente.
E ali, entre lápis e grafite, eu entendi:
Toda mulher nasce bruxa.
É criadora por natureza.
Se toda mulher soubesse usar esse dom…
Dominaríamos o mundo.
Ilustração feita em 1997.
Turmalina passada adiante.
Feitiço ainda vivo.
Conheço essas duas bruxinhas... ehehehee =D
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